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até que esgotem
Há semanas, um alfarrabista juntou ao seu catálogo este livro: 307 páginas, lê-se na descrição técnica. Pouco mais de trezentas páginas, pelos vistos, bastaram para Hans Hass escrever um tratado científico sobre os mistérios do comportamento do homem. Já se ele tentasse o mesmo para a mulher, "Mulher: os mistérios do seu comportamento", só o conseguiria com uma espécie de livro de areia borgesiano: um enigma com páginas infinitas, onde nenhuma é a primeira e nenhuma é a última, e nunca se consegue encontrar duas vezes a mesma página.
- Sabe o que você é? - disse Kathy. - Uma pessoa muito boa. Compreende isso?
Ele encolheu os ombros. Como a maior parte das verdades, era uma questão de opinião.
Philip K. Dick, Vazio Infinito
Pouco a pouco, ela envolvera-se ao longo dos anos numa situação de que não conseguia afastar-se. E ele agora não via nenhuma saída para ela; tinha-se prolongado por muito tempo. A fórmula tornara-se fixa.
Philip K. Dick, Vazio Infinito
Vagueou com dificuldade pelo quarto, examinando um livro aqui, uma cassete, um micromagneto. Ela até tinha um brinquedo que falava. "Era como uma criança", pensou, "realmente não é uma pessoa adulta."
Curioso, ligou o brinquedo falante.
- Olá! - exclamou ele. - Sou Charley Alegre e estou nitidamente sintonizado no seu comprimento de onda.
- Ninguém com o nome de Charley Alegre esté sintonizado no meu comprimento de onda - disse Jason.
Philip K. Dick, Vazio Infinito
"Fargas meteu as mãos nos bolsos das calças e passeou junto dos livros, oscilando sobre a perna inválida, olhando-os um a um. Parecia um magro e desastrado Montgomery que passasse revista às suas tropas em El Alamein.
- Às vezes nem lhes toco nem os abro. - Detivera-se, inclinando-se para reajustar um volume na sua fila, sobre a velha alcatifa. - Limito-me a limpar-lhes o pó e a contemplá-los durante horas. Conheço em pormenor o que há sob cada encadernação (...)
Corso folheou um livro. Era um exemplar magnífico, também com margens muito largas. Devolveu-o ao seu lugar com cuidado antes de se erguer, limpando os óculos com o lenço. Aquilo era capaz de provocar suores ao mais frio.
- O senhor não está bom da cabeça. Se vendesse isto tudo, não teria problemas económicos.
- Eu sei. - Fargas inclinou-se para rectificar imperceptivelmente a posição do livro. - Mas se vendesse isto tudo, já não teria razão para continuar a viver e portanto ser-me-ia indiferente deixar de ter problemas."
Arturo Pérez-Reverte, O Clube Dumas
- Tem cuidado com Liana Taillefer.
- Porquê? - La Ponte olhava-se ao espelho do bar. Arvorou uma expressão lúbrica. - Desde que comecei a levar os folhetins ao marido que essa gaja me agrada. Tem muita classe.
- Tem - concordou Corso. - Muita classe média.
Arturo Pérez-Reverte, O Clube Dumas
"Quanto a mim, apenas sei que não sei nada. E quando quero saber, procuro nos livros, aos quais a memória nunca falha."
Arturo Pérez-Reverte, O Clube Dumas
"Lá dentro das suas paredes de quase três metros de altura estava incrivelmente fresco e escuro, ou pelo menos foi o que me pareceu. Eles eram cinco a trabalhar, todos eles índios e todos cheios de curiosidade em saber o que é que um polícia mal vestido e todo suado fazia, vindo do forno do deserto. (...) Um deles levou-me de volta a Sky Harbor no camião mais pequeno. Deixou-me no parque e dirigi-me à sala dos cacifos pela porta lateral, para que ninguém visse o estado em que me encontrava; uma vez lá dentro, despi-me e fui direitinho ao chuveiro. Metade da água caiu sobre mim, a restante suponho que a bebi."
[Stephen Gallagher, O Vale das Luzes]
Depois do almoço, Gregório afastou-se sozinho no tractor, passou pela aldeia, para comprar um maço de cigarros. Parou em frente do Bons Laboureurs, para não aborrecer a Ti' Couzenot que o estimava.
- Estou com sede.
- Se cá entraste, tenho a impressão de que não foi para varrer o chão - respondeu a Ti' Couzenot.
Trouxe um jarro de vinho e dois copos, porque ela não era das que desprezam a sua mercadoria.
- O que é que há de novo lá pelas Pédouilles?
- Não há assim lá grande coisa, a não ser que o visconde vai casar-se com Marie-Fraise.
- Ah, sim? - exclamou a Ti' Couzenot, que pouco depois precisou com muita vivacidade o seu pensamento: - Vai por aí haver em todo o concelho muita braguilha a rir-se!
- A sério? - perguntou Quatresous, revirando dois olhos que caíam das nuvens.
- Vê-se bem que acabas de sair de um mosteiro, e não de qualquer outra parte! - gracejou a boa mulher, contando pelos dedos: - O António Paquet, um, o Brás Chavon, dois, o Luisinho e o Joãozinho Poulouque, três e quatro, o Humberto Bretelle, cinco, o português da quinta de Chaume, seis, toda esta cambada se lhe deitou em cima, dessa lambisgóia da Marie-Fraise!
[René Fallet, O Contrabandista de Deus, 1973]
"O edifício de apartamentos não tinha ninguém a administrá-lo. (...) No primeiro andar, havia três chineses, bem como os habituais 'chicanos, e no segundo vivia um cavalheiro japonês e seis jovens da Cidade do México que possuíam um único fato de um branco-leitoso - cada um podia usá-lo uma noite por semana. Também havia alguns portugueses, um guarda-nocturno do Haiti, dois vendedores das Filipinas e mais 'chicanos."
[Ray Bradbury, A Morte É Um Acto Solitário, 1985]
"A vida de algumas pessoas pode ser tão sucintamente resumida que não passa de uma porta que bate ou de alguém que tosse numa rua escura, a meio da noite."
[Ray Bradbury, A Morte É Um Acto Solitário, 1985]
Fui ao stand da Tinta da China comprar o Malparado de Pedro Mexia. A rapariga que estava a atender era giríssima. Tenho a certeza de que o próprio Mexia, um assumido esteta, aprovaria com um sorriso este círculo de acasos: os seus livros, onde ele tanto (e tão bem) escreve sobre raparigas giras, a serem entregues ao leitor por uma rapariga gira.
(...) Depois bateu uma dúzia de vezes no vidro, na fútil esperança de que o ponteiro estivesse preso embora, na realidade, nunca duvidasse da sua mensagem. Uma notícia que é suficientemente má leva geralmente consigo a sua própria garantia de verdade. Só as boas notícias precisam de ser confirmadas.
[Arthur C. Clarke, Expedição à Terra]
Com tantos blogues de gente voluntariosa que lê freneticamente, não vi nunca menção a um único livro de divulgação científica. A ser sincero, nem sequer me recordo de ver alguém, num transporte público, a ler um livro de divulgação científica. Não estou a sugerir que andasse toda a gente a ler o Mundos Paralelos de Michio Kaku, menos ainda o Breve História do Tempo de Stephen Hawking, por vezes algo herméticos para os não-iniciados. Mas é que nem o Cosmos de Carl Sagan, que se lê como um romance, nem sequer uma das para-autobiografias de Richard Feynman, que se lêem como uma comédia.
[in Threesome]