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até que esgotem
2017 será, pelo menos até este ano acabar, o pior ano de que tenho memória. Se alguém me desse um bilhete para uma engenhoca mágica que me permitisse apagar um ano, seria 2017 sem pensar duas vezes. No meio das várias perdas, fracassos e derrotas, nada me ocorre que possa, num futuro próximo ou longínquo, justificar uma reapreciação destes doze meses. E no entanto, há aqui um paradoxo evidente. Para todos os efeitos, 2015 e 2016, com todas as suas dúvidas e segundas oportunidades, deveriam merecer uma pior avaliação. Nada do que aconteceu ou se comprovou no ano passado resultou de falhanços cometidos no ano passado. Quando tive influência, foi por acções e inacções nos anos anteriores e cujas consequências eu percebi, previ e senti no momento. 2017 deveria ter sido um ano de pacíficas aceitações, 2015 e 2016 uma turbulenta memória de todas as restantes fases do modelo de Kubler-Ross.
Mas não é isso o que se passa. Sinto a falta de 2015 e dos seus talvezes que nunca o foram. E algo se passou em 2016, numa daquelas tardes de Primavera que já têm mais do Verão que há-de vir do que do Inverno que a precedeu. Sentado no meu canto habitual, a aguardar que o barco se separasse de Lisboa, senti... alívio. Um alívio que se tornou físico, como se alguém retirasse um universo dos meus ombros. Durante alguns minutos, todas as certezas e todas as dúvidas se calaram. A certa altura respirei fundo, fechei os olhos e sorri. Sorri um sorriso pintado de tristeza porque sabia, mesmo assim, que aquela viagem iria terminar dali a pouco e a realidade regrediria, como sempre o faz, para a média. Mas sorri também porque talvez... talvez. Naquela intersecção de espaço e tempo que eu ocupava e apenas eu ocupava, apesar de todas as razões que me convenciam do contrário... parecia possível. Talvez bastasse um passo. Talvez uma palavra chegasse. Talvez um gesto fosse suficiente. Talvez...
Eu não sabia, e não sei, e não saberei se aqueles momentos foram reais ou ilusórios, se resultado de um propósito ou de uma sequência de acasos. Sei é que, em 2016, revivi uma sensação dos meus 17 anos e que já esquecera: a sensação de possibilidade. E por isso estar-lhe-ei sempre grato.
Quando era pequeno, eu tinha vertigens - não a olhar para baixo, mas a olhar para as estrelas. Era como se receasse perder a ligação ao chão e cair pelo céu acima.
Após quase um ano, e mesmo ciente da inutilidade de tal gesto, continuava a olhar para a sua ausência como um náufrago que, todas as manhãs, se senta num rochedo a perscrutar o horizonte. Até que um dia, quando já estava prestes a desistir, a imensa espera chegou ao fim - mas o barco seguiu indiferente como se a ilha estivesse deserta.
Roy: Why are you staring at us Sebastian?
J.F. Sebastian: Because. You're so different. You're so perfect.
Roy: Yes.
J.F.: What generation are you?
Roy: Nexus six.
J.F.: Ah!, I knew it. 'Cause I do genetic design work for the Tyrell Corporation. There's some of me in you. ...Show me something.
Roy: Like what?
J.F.: Like anything!
Roy: We're not computers, Sebastian! We're physical!
Pris: I think, Sebastian, therefore I am.
(in Blade Runner)
Estava errado - e isso fazia-o duplamente errado.
Sentada à minha frente, só lhe conseguia ver o cocuruto da cabeça mas, da janela entreaberta, vinha uma leve aragem que fazia o perfume dela rodopiar à minha volta. Agora, sozinho à frente do computador, fecho por vezes os olhos para melhor sentir os vestígios do seu perfume que perduram na minha camisa, no meu cabelo, nas minhas mãos. E, de olhos ainda fechados, não vejo no reflexo do monitor o sorriso que insiste em regressar aos meus lábios.
Não vejas causalidade numa sequência de casualidades. Não vejas causalidade numa sequência de casualidades. Não vejas causalidade numa sequência de casualidades.
Rickman, Eco, Bowie, Black... Olhei agora para a primeira página do blogue e deu-me vontade de dizer: caro 2016, que tal se fosses à merda?
Pris: Must get lonely here, J.F.
J.F. Sebastian: Not really. I make friends. They're toys. My friends are toys. I make them.
(in Blade Runner)
Porque é que seria diferente desta vez?
Às vezes, o mais difícil é conseguirmos não ver aquilo que não está lá.
De vez em quando, vejo-me diante deste pequeno problema que me causa grandes problemas...
- Ela é uma senhora - dizia ele com ar sonhador. - Caramba, até a catar o nariz a miúda tem classe!
Ela depositou o calhamaço de Direito Administrativo no assento ao lado, recostou-se e inclinou a cabeça para que o Sol lhe batesse no rosto.