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até que esgotem
O filósofo bêbado, constante alvo de chacota, é com frequência apodado de falhado pelos companheiros. Estes, cheios de si próprios, olham para a História do falhado com a sobranceria dos vencedores. Enquanto acariciam, com ar de posse, a coxa da companheira, diagnosticam as derrotas do filósofo como resultado de má atitude, falta de coragem e inteligências semelhantes.
E, no entanto, o falhado é com frequência mais corajoso e digno do que qualquer um destes orgulhosos nietzschianos. Há muito mais valentia no eterno vencido que continua a ir às lutas sabendo que a derrota é, com certeza quase absoluta, aquilo que o aguarda.
Há uns dias, acompanhei a exposição que um bêbado fazia sobre O Amigo, essa instituição que costuma (a par, digo eu, d'A Amiga Feia* e d'O Amigo Gay) estar associada à Miúda Gira.
Os bares e as tascas, na altura em que os solitários - mesmo se, ou principalmente se(!), imersos num grupo - já estão inebriados o suficiente, são uma escola de filosofia. A filosofia dos bêbados, injustamente recebida com troça pelos seus companheiros e vizinhos, pode ser exposta em metáforas algo coloridas - mas isso não retira à sua correcção. É preciso ter consciência de que, bastas vezes, o bêbado não filosofa ao desbarato: aquilo que lhe sai, ora em lamentos chorosos, ora em acusações ressentidas, não são devaneios de ocasião mas, ao invés, ideias trabalhadas de há muito (os gozões chamam-lhe antes "ressabiadas") e, amiúde, apenas viram a luz do dia graças à desinibição etílica.
(*) Pedro Mexia já falou sobre A Amiga Feia (Nada De Melancolia, pg. 206) - mas não reconheceu, então, a existência dos outros. Reservo-me, portanto, a glória da descoberta.